Buscando, com Maria, um outro mundo possível


Hoje fazemos memória da Páscoa de Jesus, celebrando Nossa Senhora Aparecida, que em 1930 foi proclamada, pelo Papa Pio XI, a padroeira do Brasil, “para promover o bem espiritual dos fiéis e aumentar cada vez mais a devoção à Imaculada Mãe de Deus”.

Sua imagem colhida por três pescadores, em outubro de 1717, quando lançavam suas redes no rio Paraná, é hoje venerada no Santuário Nacional em Aparecida do Norte por multidões de peregrinos e peregrinas de todas as partes do Brasil.

Toda liturgia de hoje é marcada pelo pedido de intercessão a Maria, padroeira de nossa Pátria, junto de Deus. Ao pedirmos bênçãos para a Pátria, nos dispomos também a sermos instrumentos daquilo que pedimos, no empenho incansável por uma Nação melhor, mais justa, mais fraterna e feliz, mais conforme o projeto de Jesus.

Lembremos também hoje todas as crianças, na comemoração de seu dia, e do início da resistência indígena na América Latina, com a chegada da expedição de Cristóvão Colombo.
Neste momento atual, no Brasil e no mundo afora se assiste atordoado o sobe e desce das bolsas de valores em todos os países, em especial, nos Estados Unidos e no velho continente. São números, alta do dólar, queda nas transações. Enfim, a bola da vez se chama "crise".

Mas o que seria essa crise? O sociólogo português Boaventura de Souza Santos chama-nos atenção para olharmos essa crise numa perspectiva da ampliação do Estado e, talvez, a minimização do mercado total.

Até pouco tempo atrás, o deus "mercado" evangelizava o mundo e as consciências afirmando as teses de Hayek e Friedman: "menos Estado, mais mercado". Agora, a crise do sistema financeiro derruba o dogma da imaculada concepção do livre mercado como única panacéia para o bom andamento da economia.

Tudo se resumia ao consumo que se tornava uma espécie de "prece" e ato religioso realizado pelo fiel ao deus mercado que tudo criava e recriava. Quem participava do mercado já se encontrava no paraíso, "onde corre leite e mel" das compras em shoppings ou em novas ágoras fast-food (Macdonald’s) onde somente os que podem pagar, podem comer o banquete sagrado e antinutritivo. Diante disso, não há necessidade de política, de participação, de Estado e, muito menos, se pensar no futuro da Casa Comum.

O evangelho de hoje também nos fala de uma crise durante uma festa de casamento. O vinho veio a faltar... Maria ocupa um lugar central na solução desta crise. Nela se manifesta o povo simples e pobre. Maria de Nazaré surge como intermediária entre a realidade dos pobres e Jesus como Messias.
Maria é a mãe que se põe a serviço do Reino. Maria é símbolo dessa humanidade que realiza o projeto de Deus e faz o “que Jesus mandou”.

O programa Bolsa Fartura de Bush reúne quantia suficiente para erradicar a fome no mundo. Mas quem se preocupa com os pobres? Devido ao aumento dos preços dos alimentos, nos últimos dozes meses o número de famintos crônicos subiu de 854 milhões para 950 milhões, segundo Jacques Diouf, diretor-geral da FAO.

Não se mede o fracasso do capitalismo por suas crises financeiras, e sim pela exclusão - de acesso a bens essenciais de consumo e direitos de cidadania, como alimentação, saúde e educação -, de 2/3 da humanidade. São 4 bilhões de pessoas que, segundo a ONU, vivem entre a miséria e a pobreza, com renda diária inferior a US$ 3.

Há, sim, que buscar com Maria, com urgência, um outro mundo possível, economicamente justo, politicamente democrático e ecologicamente sustentável.

O milagre depende de nós!

Lembrando Maria, Aparecida na rede de pobres pescadores e trazendo a cor negra, bendizemos o Senhor da Vida e sua predileção pelos pequenos e sofredores.

Unimos nossa voz ao clamor de todo o povo pobre, peregrino em busca de melhores condições de vida, força e alento para vencer suas dificuldades. Que o Senhor renove nosso desejo de optar sempre e, em primeiro lugar, pela vida.

Fazendo o que ele nos mandou, com Maria participamos do banquete da vida pela palavra e pela Eucaristia. Saboreamos do vinho novo que nos alegra, nos torna atentos às necessidades dos outros e nos encoraja na luta para que não falte a alegria na festa da vida, sobretudo para as crianças, os povos afro-descendentes e todos os carentes.

“Contemplando hoje Maria, Mãe do Senhor, primeira evangelizada e primeira evangelizadora, invocada no Brasil com o título de Aparecida, ícone da Igreja em missão, sejamos inspirados com seu exemplo de fidelidade e disponibilidade incondicional ao Reino de Deus” (Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora, n. 216). Que assim seja. Amém.
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Diácono Wolfgang Müller
Graduado em Teologia (fonte: www. homilia.com.br)

Fontes que ajudaram a escrever esta homilia:
• Crise do evangelho neoliberal, artigo de Claudemiro Godoy do Nascimento
• O abalo dos muros, artigo de Frei Betto
• Ele está no meio de nós, livrinho da CNBB, textos de Maria de Lourdes Zavarez e Maria do Carmo