As exigências para seguir a Jesus

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A liturgia de hoje forma unidade com a de domingo passado. Lá, Jesus anunciou de que modo ele seria o messias, o "líder"; e
convocou a todos para assumirem sua cruz no dia-a-dia.

Hoje, vemos Jesus dirigir seus passos na direção de Jerusalém, pois "completaram-se os dias para ser arrebatado" (Lc 9,51) (evangelho). Esta linguagem um tanto estranha deve-se ao fato de Lc apresentar Jesus como o antítipo de Elias (cf. 10° dom.). Jesus é em plenitude o que Elias é em esboço.

Elias foi arrebatado (2Rs 2), Jesus o será também (fim do ev. de Lc e começo de At). Antes de ser arrebatado, Elias chamou seu discípulo e sucessor, Eliseu, com firme exigência: só lhe permitiu despedir-se de seus parentes (1Rs 19, 1ª leitura de hoje).

Jesus chama também discípulos, e sua exigência supera a de Elias: nem permite enterrar o pai ("pia obra" de grande valor no judaísmo; cf. Tb), nem mesmo despedir-se dos parentes vivos (Lc 9,57-62). Com uma alusão a Eliseu, que transformou em sacrifício as doze juntas de bois com que estava lavrando, Jesus responde: "Quem põe a mão no arado, não deve olhar para trás!"; senão, o sulco sai torto). Observemos que, em uma coisa, Jesus não deseja superar Elias: na violência. Enquanto este mandou cair fogo do céu sobre os sacerdotes de Baal (2Rs 1,10), Jesus exige de Tiago e João, os "filhos do trovão", paciência para com os samaritanos, que não os querem receber, porque estão indo a Jerusalém, centro do judaísmo, que desprezava aos samaritanos.

Já nos próximos capítulos, Lc sugerirá várias vezes que os samaritanos não são tão ruins assim (cf. 10,29-36) e em At consagrará um capítulo inteiro ao sucesso da Igreja na Samaria (At 8).

O seguimento de Jesus exige abandono radical. Será que isso também vale "para todos", como a palavra de assumir a cruz no dia-a-dia (dom. pass.)? A impressão é de que Lc faz uma distinção entre o apóstolo, encarregado de continuar a obra de Jesus (como Eliseu devia continuar a de Elias), e a multidão de pessoas piedosas, que, cada qual de sua maneira, devem renunciar a si mesmas para assumir a cruz de cada dia (9,24). Talvez queira sugerir que ninguém se coloca a si mesmo como candidato para o apostolado, embora sempre deva estar vivendo uma vida de renúncia; mas quando Deus chama para o apostolado no sentido estrito, é preciso abandonar tudo.

Abandonar tudo é a verdadeira liberdade do cristão, para a qual Cristo nos chamou (Gl 5,1, 2ª leitura). Paulo aborda esse tema no contexto da discussão com aqueles que querem impor a Lei de Moisés aos cristãos da Galácia, não oriundos do judaísmo.
Paulo considera que a Lei foi abolida por Cristo, já que em nome da Lei Cristo foi condenado, mas Deus o ressuscitou, superando a lei que o levou à morte. O cristão está livre da lei judaica e de tudo quanto aprisiona o ser humano. A lei judaica era uma estrutura de comportamento, que impunha certas exigências e reprimia, às vezes, as prioridades verdadeiras, pelas quais Cristo doou sua vida: a misericórdia, a verdadeira justiça.

Assim, todos nós estamos, em parte, presos em estruturas mentais ligadas a estruturas socioeconômicas que impedem o atendimento das verdadeiras prioridades evangélicas. Precisamos de liberdade face a tudo isso. E isso exige renúncia às vezes tão radical quanto aquela que Jesus exigiu dos candidatos-apóstolos.

Não é mais fácil dessolidarizar-se de um cômodo sistema social do que sair de sua família sem despedir-se. A liberdade é um dom, mas também uma exigência, e muitos preferem não ser livres, tanto nas suas relações pessoais quanto nas socioeconômicas (preferem estar amarrados com uma "corrente de ouro").

Porém, só na liberdade podemos viver conforme o Espírito, pois o Espírito de Deus nos arrebata, impele-nos para onde não pensávamos ir e para onde o mundo não quer que vamos. Devemos crucificar o que o mundo deseja de nós, para que não lhe pertençamos. Só livres de tudo poderemos ser outros Cristos. Quem entende isso, meditará com prazer o salmo responsorial: "Deus, tu és minha herança e minha parte da taça!" (Sl 16[ 15],5).

Do livro "Liturgia Dominical", de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
(fonte: www.franciscanos.org.br)