Solenidade de São Pedro e São Paulo


A Solenidade de São Pedro e São Paulo, celebrada desde tempos remotíssimos, ensina-nos que a Igreja, na qual cremos, está alicerçada sobre o fundamento dos apóstolos, consoante as palavras do próprio Cristo: “Quem vos ouve, a mim ouve”. Sim, a fé que hoje professamos, depois de dois mil anos, é a mesma professada pelos apóstolos escolhidos e enviados por Cristo.

O Espírito atua na Igreja de modo a torná-la, sob a proteção dos mesmos apóstolos colocados à sua frente e conduzida pelos seus legítimos sucessores, depositária e fiel mensageira do Evangelho da Vida.

Pedro e Paulo, cada qual a seu modo, contribuíram eficazmente para edificar a Casa de Deus neste mundo como sinal da Morada Eterna que nos é prometida em Cristo. Pedro, escolhido por Jesus para ser o chefe dos apóstolos e de toda a Igreja, soube apascentar as ovelhas e os cordeiros que lhe foram confiados, confirmando-lhes a fé com o derramamento do próprio sangue.

Paulo, agraciado com o dom da verdadeira conversão ao Evangelho, tornou-se, por disposição mesma do Senhor, o grande apóstolo dos gentios e o incomparável defensor da gratuidade da salvação, vindo, à semelhança de Pedro, a derramar o seu sangue como supremo testemunho da fé que tão zelosamente anunciava com muitas renúncias e provações.

Ao celebrarmos os dois insignes apóstolos, lembramo-nos naturalmente do Papa, a quem cabe, em primeiro lugar, guardar, defender, anunciar e testemunhar a fé que herdamos de Pedro e Paulo. Bento XVI é hoje o grande apóstolo do Evangelho que nos dá a Vida verdadeira.

Como sucessor de Pedro e herdeiro de seu carisma-ministério, preside hoje à caridade, apascentando com zelo os fiéis que lhe são confiados. Mas é também chamado, a exemplo de Paulo, a desgastar-se de todos os modos, a fim de que a Palavra de Deus atinja os corações e, assim, o mundo se renove na esperança que vem da firmeza de Deus. Bento XVI tem desempenhado muito bem seu ofício de propagador da fé e da beleza da salvação.

Notáveis são suas palavras e ensinamentos, carregados de profundo significado e sabedoria, dirigidos para um mundo aparentemente mais distante de Cristo e da sua Igreja. Os ensinamentos do Papa são capazes de interpelar as consciências e fazê-las pensar, e a Igreja, sem dúvida, tem sido levada, com Bento XVI, a aprofundar-se no conhecimento de suas raízes.

Que São Pedro e São Paulo intercedam sempre pela Igreja que lhes custou o sangue, proteja o Santo Padre Bento XVI e alcancem para todos nós a graça de sermos discípulos missionários de Jesus Cristo na aurora do século XXI!

Dom Eurico dos Santos Veloso
(fonte: http://www.cnbb.org.br/)

Maior que a tempestade: “quem é este?”

O evangelho conta a história da tempestade acalmada. Imaginemos a cena: a tempestade levantando ondas que cobrem o barco com os discípulos – e Jesus, dormindo... Quando o acordam, Jesus conjura os ventos e o mar, e vem a calmaria.

Jesus censura-lhes a falta de fé, e eles perguntam: “Quem é este, a quem o vento e o mar obedecem?”(Mc 4,41). Aos fiéis presentes na celebração a resposta já foi dada na 1ª leitura (Jó, 38, 1.8-11) e no salmo de meditação que a acompanha (Sl 107 [106]: quem manda na tempestade e no mar é Deus ou aquele que age com seu poder. Jesus se revela através de seu poder soberano, divino. Por isso, ele pode dormir tranqüilo no barco atormentado pelas ondas, como também pode levantar-se para acalmar o mar.

Essa história é muito instrutiva. Em primeiro lugar: a tempestade. Quando tudo está tranqüilo em torno de nós, temos a tendência de confiar em nossas próprias forças, seguros de que “tudo vai dar certo”. E Deus fica sobrando. Mas quando surge uma tempestade, percebemos que nossas forças são pequenas e pouco fidedignas. Então recorremos a Deus, não tanto por amor a ele quanto por amor à nossa pele. Pouco importa. O importante é descobrirmos que nossa vida está nas mãos dele.

Na tempestade, Deus surge com poder (Sl 65[64], 8). Quando de repente nos vemos entregues às contradições da vida e da história, importa lembrarmo-nos daquele a quem o vento e o mar obedecem: não só Deus, mas Jesus de Nazaré, nosso guia. Mas o melhor é nunca o esquecer e tê-lo sempre diante dos olhos. Enquanto não percebemos sua presença e o poder que está nele, temos medo, ainda não temos fé (Mc 4,40).

E que fé é essa? Fé para ter proteção, cura, bem-estar? Claro que a gente espera tudo isso de Deus. Mas isso passa por uma pessoa com nome e sobrenome. Perguntamos: “Quem é este”? Damos crédito a ele, por causa do poder que manifesta. Mas seu gesto maior não é um gesto de poder, e sim, de entrega da própria vida. A fé por causa do poder é apenas um aperitivo para que acreditemos no Crucificado.

A tempestade acalmada vem no início da caminhada de Jesus; no fim, estão a cruz e a ressurreição. Assim, nas aflições da vida, procurando segurança em Deus, encontramos Jesus diante de nós, poderoso, sim, mas isso, em última instância, por meio da cruz, por meio de sua doação por amor. Aí, ele revela o poder maior de Deus em sua pessoa. Reconhecendo isso, teremos confiança para enfrentar as tempestades de nossa história.

Do livro "Liturgia Dominical", de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
fonte: www.franciscanos.org.br



A festa de Corpus Christi


Aproxima-se a festa do Corpo de Cristo: do pão partido, do pão dado, da vida oferecida em resgate pela salvação do mundo. A Igreja Católica celebra nesta festa tão importante de sua liturgia o mistério da Eucaristia que nos diz que o pão que partimos e o vinho que bebemos se transformam, pela ação do Espírito Santo na consagração da missa, no corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A festa de Corpus Christi tem também um alcance social, além de religioso. Adorar o corpo de Cristo presente na Eucaristia nos obriga a respeita-lo, cuida-lo e servi-o nos corpos muito reais e concretos dos outros ,irmãos e irmãs de humanidade, filhos do mesmo Pai, da mesma raça daquele que confessamos e proclamamos presente e vivo na Eucaristia que nos alimenta e nos fortalece.

O corpo significa ao mesmo tempo Vida e Morte, o normal e o patológico, o sagrado e o profano, o puro e o impuro. As práticas corporais são ritos que imprimem ao ser humano uma certa consciência visceral do mundo, altamente estruturada, codificada, rigorosa e socializada, em que as possibilidades de escolha são limitadas a mínimos parâmetros, porque qualquer liberdade é altamente significativa e põe em risco a totalidade do sistema de ordenação do mundo.

Cada tradição lida com seus ritos sobre o corpo, interditando-o ou não. Convivemos aqui com diferentes formas de lidar com ele, em função das crenças religiosas, que geram valores , atitudes e estabelecem toda a ordem e a contra-ordem social. São representações sociais diversas.

A sociedade codifica o corpo e as codificações do corpo codificam a sociedade. São codificações lógicas e morais.

O mal estar contemporâneo em relação ao corpo se caracteriza principalmente como dor e não como sofrimento. Vale dizer, a subjetividade atual não consegue mais transformar dor em sofrimento, estando aqui a sua marca diferencial e inconfundível. É preciso reconhecer aqui, antes de tudo, que a dor é uma experiência em que a subjetividade se fecha sobre si própria, não existindo qualquer lugar para o outro no seu mal-estar.

Assim, a dor é uma experiência marcadamente solipsista, restringindo-se o indivíduo a si mesmo, não revelando este então qualquer dimensão alteritária. A interlocução com o outro fica assim coartada na dor, que se restringe a um murmúrio e a um mero lamento, por mais aguda e intensa que seja aquela. Daí a passividade que domina sempre o indivíduo quando algo em si dói, esperando que alguém tome uma atitude por si na sua dor.

Se isso não ocorre esta pode mortificar o corpo do indivíduo, minando sua corporeidade e forjando sempre o vazio da auto-estima.

Ou, então, a dor pode fomentar as compulsões e a violência, maneira imaginária que são estas de descarga atabalhoada daquilo que dói. Imersa que fica na dor, portanto a subjetividade contemporânea se evidencia como essencialmente narcísica, não se abrindo para o outro, de forma a poder dirigir para este um apelo.

Para os que temos fé, para os que cremos que o corpo e o sangue de Jesus Cristo são verdadeiramente nossa comida e bebida, esta violência com relação aos corpos humanos é inaceitável e nos conclama a uma ação conjunta e solidária. Nossa corporeidade não é solitária, lugar simplesmente do depressivo, do patológico, do narcisismo ou lugar da descarga da violência e da barbárie.

Mas é, fundamentalmente, lugar da comunicação e da presença no mundo, lugar da oblação; lugar do respeito, da reverência e do serviço; lugar da entrega até a morte, lugar da experiência do amor.

Autora: Maria Clara Lucchetti Bingemer