O Bom Pastor dá sua vida


O tema central da liturgia de hoje (evangelho) é a alegoria do Bom Pastor (como sempre no 4° domingo pascal).


Na primeira parte da alegoria, lida no ano A, Jo comparou Jesus com a porta do redil, porta pela qual entra o pastor e pela qual sai o rebanho conduzido pelo pastor. Quem não entra pela porta que é Jesus não é pastor, mas assal­tante.


Na segunda parte, lida hoje, Cristo é o próprio pastor, em oposição aos mercenários: imagens tomadas de Ez 34. Os mercenários não dão sua vida pelo rebanho.
Jesus, sim. Todo mundo entende esta comparação. O sentido é obvio: Jesus deu, na cruz, sua vida por nós.


Para Jo, porém, ela esconde um sentido mais profundo: a vida que Jesus dá não é apenas a vida física que ele perde em nosso favor, mas a vida de Deus que ele nos comunica (exatamente ao perder sua vida física por nós).


Esta idéia constitui a ligação com a imagem precedente (a porta): em Jo 10,10b, Jesus diz que ele veio para "dar a vida", e dá-la em abundância; e continua, em 10,11, apontando sua própria vida como sendo esta vida em abundância que ele dá.


Nos v. 17-18 aparece, então, que ele dá essa vida com soberania divina (ele tem o poder de retomá-la; ninguém lha rouba): doando-se por nós, nos faz participar da vida divina, porque entramos na comunhão do amor de Jesus e daquele que o enviou (estas idéias são elaboradas em Jo 14-17, esp. 15,10.13; 17, 2.3.26 etc.).


A vida que Jesus nos dá é o amor do Pai, que nos faz viver verdadeiramente e nos torna seus filhos.


Já agora temos certa experiência disso, a saber, na prática deste amor que nos foi dado. Mas essa experiência é ainda inicial; manifestar-se-á plenamente quando o Cristo for completamente manifestado na sua glória: então, seremos seme­lhantes a ele. Desde já, nossa participação desta vida divina nos coloca numa situação à parte: na comunidade do amor fraterno, que o mundo não quer conhecer e, por isso, re­jeita (1Jo 3,lc). É a "diferença cristã" (2ª leitura).



Porém, a diferença cristã não é fechada, mas aberta. É uma identidade não au­to-suficiente, mas comunicativa. Jo insiste várias vezes neste ponto: Jesus é a vítima de expiação dos pecados não só de nós, mas do mundo inteiro (1Jo 2,2); Jesus tem ainda outras ovelhas, que não são "deste redil" (10 10,16). O amor, que é a vida divina comunicada pelo Pai na doação do Filho, verifica-se na comunidade dos fiéis batizados, confessantes e unidos.


Mas não se restringe a essa comunidade. Não só porque existem ou­tras comunidades, mas porque a salvação é para todos. A atuação dos primeiros cristãos em Jerusalém (1ª leitura) deve ser entendida neste mesmo sentido. Formam uma comunidade que, sociologicamente falando, pode ser caracterizada como seita. Porém, não é uma seita auto-suficiente, mas transbordan­te de seu próprio princípio vital, o "nome" de Jesus Cristo (= toda a realidade que ele representa).


Quando um aleijado, na porta do templo, dirige a Pedro seu pedido de aju­da, este comunica-lhe o "nome" de Jesus (At 3,6). Daí se desenvolve todo um testemu­nho (narrado na liturgia de domingo passado). Este testemunho leva à intervenção das autoridades, sempre desconfiadas dos pequenos grupos testemunhantes.


Pedro e João são presos e levados diante do Sinédrio, que pergunta em que nome eles agem assim. "No nome de Jesus Cristo Nazareno, crucificado por vós, mas ressuscitado por Deus ... Em nenhum outro nome há salvação, pois nenhum outro nome foi dado sob o céu por quem possamos ser salvos" (At 4,10-12; cf. Jo 17,3: "A vida eterna é esta: que te conheçam ... e àquele que tu enviaste").


É essa a conclusão do sinal do aleijado da Porta Formosa: a cura que lhe ocorreu significava a "vida" em Jesus Cristo. Esta deve tam­bém ser a conclusão de todo agir cristão no mundo: dar a vida de Cristo ao mundo, pelo testemunho do amor. Tal testemunho convida a participar do amor do qual Jesus nos fez participar, dando sua vida "por seus amigos". Isto é pastoral.


Do livro "Liturgia Dominical", de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
(fonte: http://www.franciscanos.org.br/)