A Igreja,comunidade de salvação





O profeta é o homem que enxerga, melhor que os outros, a vontade de Deus. O profeta olha para o lado interior das coisas. É uma sentinela, deve dar alerta ao enxergar algo suspeito. Sua visão é uma responsabilidade. Se vê o errado, mas fica calado, ele deixa seu irmão perder-se e perde-se com ele. Mas se transmite o recado, a responsabilidade está com o outro, e o profeta se salva (Ez 33,7-9; 1ª leitura).

A Igreja é um povo profético. A partir de nossa unção batismal e crismal, todos nós participamos da vocação profética do Cristo, legada à Igreja. No Sermão Eclesial de Mt 18 (evangelho) aparece também nossa tarefa de sermos sentinelas. A cada suspeita, devemos dar alerta, advertir o irmão que não está no caminho certo. E isso, não uma só vez: devemos esgotar todos os meios. Avisá-lo uma segunda vez, diante de testemunhas (para ver se não estamos enganados), ou, enfim, recorrer ao testemunho da comunidade. Se então ainda não quiser ouvir, seja “como gentio ou publicano”, expressão judaica tradicional designando quem não cabe na assembléia.

Nesta altura, o poder de ligar e desligar, antes confiado representativamente a Pedro (cf. 21° dom. comum), é confiado à Igreja toda. Pois toda ela é responsável pelo caminho da salvação de todos. Todos nós devemos fazer o que for preciso para encaminhar nossos irmãos no caminho certo.

Mt 18 mostra a importância da comunidade eclesial. Esta aparece ainda na palavra de Jesus sobre a oração comunitária (Mt 18,19s): quando estamos reunidos no nome de Jesus e unânimes dirigimos nossos pedidos a Deus, ele nos atenderá como se fôssemos Jesus mesmo: pois Jesus está no nosso meio.

Nós realizamos Jesus, em nossa comunhão. A Igreja se apresenta, na liturgia de hoje, como comunidade de salvação, no sentido sacramental: ela representa, torna presente o Salvador que nos une com Deus.Como? Pela comunhão eclesial! A missão de Cristo era, fundamentalmente, realizar a comunhão de todos os que são filhos do mesmo Pai, realizar o amor do Pai no meio de nós. Onde nós, em comunhão fraterna, realizamos isso, aí realizamos o próprio Cristo.

A verdadeira comunidade eclesial é o sacramento de Cristo e de Deus. Portanto, o texto do evangelho de hoje não se deve entender num sentido jurídico, mas num sentido eclesial, comunitário e, assim, verdadeiramente místico. Por exemplo, com relação à correção fraterna, Jesus não quer dizer que basta chamar duas testemunhas e depois uma comissão eclesiástica toda esclerosada, para enfim excomungar o acusado (pois é muito provável que não se converterá à vista de tal comissão).

Jesus nos ensina a colocar, profeticamente, os que erram diante da comunidade que brotou do amor de Cristo. Então, se mesmo diante deste testemunho a palavra profética não “pega”, também não podemos fazer mais nada.

Na 2ª leitura ouvimos como Paulo, nas suas exortações finais aos romanos, resume a prática da vida cristã: não ficar devendo nada aos outros, senão a caridade, que sempre fica em dívida (o que não significa que não precisamos fazer o possível...).

A caridade é o resumo de tudo. Se nos esforçamos por ela, saldamos automaticamente todas as outras obrigações. “O amor é o pleno cumprimento da Lei” (Rm 13,8-10). Paulo comenta aqui, à sua maneira, uma palavra do Senhor Jesus (cf. Mt 22,34ss = Mc l2,28ss = Lc 10,25ss; cf. Gl 5,14).

E sendo poucas as palavras de Jesus que Paulo cita assim, isso significa que ele a considera como algo central na mensagem cristã. Também S. Tiago a cita, na sua carta (Tg 2,8). E S. João não faz outra coisa senão comentar este “preceito único” do amor ao próximo, pois ninguém pode amar Deus sem amar o próximo (1Jo 4,20!), e só se ama bem ao próximo quando se ama a Deus. Pois amar Deus, procurar Deus, significa procurar a ultima palavra sobre o que é certo e errado, escutando a voz absoluta daquele que ama o nosso irmão como nós o deveríamos amar também.

Assim, o espírito da liturgia de hoje evidencia a comunhão e a caridade fraterna na comunidade eclesial, não só na mútua amizade (cf. oração sobre as oferendas), mas também na oração (evangelho) e na caridosa advertência (1ª leitura, salmo responsorial, evangelho). Nisto, a Igreja realiza a união com Cristo para sempre (oração final)e se torna comunidade e sacramento de Salvação.

Do livro "Liturgia Dominical", de Johan Konings, SJ, Editora VozesFonte: http://www.franciscanos.org.br/